segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Chove. É Dia de Natal

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa

domingo, 15 de dezembro de 2019

Último poema

É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra
Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
dos dióspiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.

Eugénio de Andrade

sábado, 14 de dezembro de 2019

Formigas

Formigas
ou
A morte explicada às criancinhas

1
Vê-se primeiro uma só formiga,
só uma.
Parece perdida, enleada nas ervas,
movendo-se indecisa atrás e adiante,
sem saber muito bem que direcção tomar.
Lembra um turista que não sabe exactamente
em que país se encontra
nem entende a língua que ali se fala,
( nem os nativos a dele),
e procura orientar-se consultando
um guia hostil num lugar hostil.

2
Mas na verdade a formiga não está só.
Reparando melhor,
vêem-se por perto mais duas ou três,
com a mesma aparência irresoluta
e igualmente em busca de um sentido
para a sua errância —
— porque há uma voz que as arregimenta,
lhes fala de um destino prometido
às formigas desde o início de tudo.

3
Só mais tarde se percebe que essas poucas
formigas desgarradas fazem na verdade
parte de um plano inexorável
e anunciam o que está para chegar.
Elas são as batedoras
de um exército zeloso de milhões de soldados
que vão sem se deter aonde aquela voz
as leva: rato morto ou boião de compota.
Todo o comestível é um destino idóneo.

4
Como nada há na natureza que não tenha
um sentido encoberto, ou que não seja
espelho de alguma coisa mais vasta
e mais severa —
— estas formigas rapaces e em tropel,
que cumprem ordens sem cuidar de quem as dá,
são na verdade uma recordatória
de que, por mais insecticidas que inventemos,
acabaremos os dias
debatendo-nos entre as tenebrosas peças
bucais da Grande Formiga.

A. M. Pires Cabral

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Ó meu amor

Ó meu amor, o nosso amor é impossível.
A madrugada propaga-se e queima.
A alma, amarga, doente, é legível,
Carregada de ternura.
Que o sonho madrugue a amena
Noite de Lisboa, dom e idade de ruídos.
Mil corpos sonâmbulos deambulam sóis…
Oh ternura de guitarras, gemendo tristeza e sorrisos,
Quando as ruas da cidade cintilam de faróis.
Oh timbre de voz de fadista, cantando um velho fado,
Ilumina-te, despe-te e despede-te das sombras…
O fado antiquíssimo é veloz diurno alado,
Quando, sobre o fadista, só a amante tomba,
E o exílio principia à beira de Lisboa, após a primavera exacta,
Até que a maresia do dia consinta na ternura intacta.

António Botto


Haiku

Cansei da viagem
hoje faz quantos dias?
Vento de outono.

Matsuo Bashô

No soy de aquí, ni soy de allá

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