domingo, 29 de janeiro de 2023

Savage daughter

https://www.youtube.com/watch?v=wiRnVmR6fJQ 

I am my mother's savage daughter
The one who runs barefoot cursing sharp stones
I am my mother's savage daughter
I will not cut my hair
I will not lower my voice


My mother's child is a savage
She looks for her omens in the colors of stones
In the faces of cats, in the fall of feathers
In the dancing of fire and the curve of old bones

My mother's child dances in darkness
And sings heathen songs by the light of the Moon
And watches the stars and renames the planets
And dreams she can reach them with a song and a broom

We all are brought forth out of darkness
Brought into this world through blood and through pain
And deep in our bones, the old songs are wakening
So sing them with voices of thunder and rain

Wyndreth Berginsdottin


terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A poesia não vai à missa

A poesia não vai à missa,
não obedece ao sino da paróquia,
prefere atiçar os seus cães
às pernas de deus e dos cobradores
de impostos.
Língua de fogo do não,
caminho estreito
e surdo da abdicação, a poesia
é uma espécie de animal
no escuro recusando a mão
que o chama.
Animal solitário, às vezes
irónico, às vezes amável,
quase sempre paciente e sem piedade.
A poesia adora
andar descalça nas areias do Verão.

Eugénio de Andrade


Quando aqui não estás

Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador

Al Berto


(...)

A rapariga que esperava muito
as cartas do namorado
que lhe escrevia muito pouco
casou-se com o carteiro

Adília Lopes


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

(...)

Foi longa e fastidienta a viagem, mas chegámos a tempo de ouvir ainda, no coração quente do outono, as cigarras a cantar no cimo das oliveiras e ver na encosta dos montes os asfódelos em flor. Estávamos na Grécia, não havia dúvida. Apesar de o turismo ter transformado a mais sagrada das terras numa feira perpétua e reles, uma ou outra coisa resistia à peste: os cardos de Epidauro, as cigarras da Arcádia, os asfódelos de Egina. Algumas coisas mais: a luz sem peso das colunas, o azul espesso do golfo de Corinto. Ε Akrator, o pastor de Meteora. Entre os rochedos a prumo, assobiava às cabras, guiando-as com olhar sábio para os tufos de ervas que iam, sabe-se lá como, rompendo da rocha.

Eugénio de Andrade


terça-feira, 17 de janeiro de 2023

La maza


Si no creyera en la locura
De la garganta del sinsonte
Si no creyera que en el monte
Se esconde el trino y la pavura

Si no creyera en la balanza
En la razón del equilibrio
Si no creyera en el delirio
Si no creyera en la esperanza

Si no creyera en lo que agencio
Si no creyera en mi camino
Si no creyera en mi sonido
Si no creyera en mi silencio

Qué cosa fuera
Qué cosa fuera, la maza sin cantera
Un amasijo hecho de cuerdas y tendones
Un revoltijo de carne con madera

Un instrumento sin mejores resplandores
Que lucecitas montadas para escena
Qué cosa fuera, corazón, qué cosa fuera
Qué cosa fuera la maza sin cantera

Un testaferro del traidor de los aplausos
Un servidor de pasado en copa nueva
Un eternizador de dioses del ocaso
Júbilo hervido con trapo y lentejuela

Qué cosa fuera, corazón, que cosa fuera
Qué cosa fuera la maza sin cantera
Qué cosa fuera, corazón, que cosa fuera
Qué cosa fuera la maza sin cantera

Si no creyera en lo más duro
Si no creyera en el deseo
Si no creyera en lo que creo
Si no creyera en algo puro

Si no creyera en cada herida
Si no creyera en la que ronde
Si no creyera en lo que esconde
Hacerse hermano de la vida

Si no creyera en quien me escucha
Si no creyera en lo que duele
Si no creyera en lo que quede
Si no creyera... en lo que lucha!

Silvio Rodriguez Dominguez

Halkidiki

 


Escuta

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém — mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade


quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Mulher de preto

Ela vinha de preto mas trazia
a noite pendurada no vestido.
Porém não era luto era alegria
ou a cor do pecado anoitecido
ou talvez fosse a lua que nascia
na parte do seu rosto mais escondido.
Ela vinha de preto e resplandecia
porque era a própria noite que a vestia.

Manuel Alegre


ars poetica

Os pequenos incidentes dos dias
não são mais do que dobras e vincos.
poema a poema, passo a alma a ferro.

João de Mancelos


Creio nos anjos que andam pelo mundo

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. amém.

Natália Correia


Amor e seu tempo

Amor é privilégio de maduros
Estendidos na mais estreita cama,
Que se torna a mais larga e mais relvosa,
Roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
O prêmio subterrâneo e coruscante,
Leitura de relâmpago cifrado,
Que, decifrado, nada mais existe.

Valendo a pena e o preço do terrestre,
Salvo o minuto de ouro no relógio
Minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida. Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade


Remedia Amoris

Foi uma péssima ideia a de voltarmos a ver-nos. Não fizemos mais do que trocar insultos e culpar-nos de velhas e sórdidas histórias. Depois ...