quarta-feira, 30 de junho de 2021

Lisboa, meu amor


Chamar-te a ti, Lisboa, camarada

E depois, eu sei lá, enlouquecer

https://www.youtube.com/watch?v=fjhfuun0S-M



Que nome te dar?


Que nome te dar? Tu és única. Tu és todas. Ou talvez nenhuma. Eu sou tu. Tu és eu. A outra metade de mim. A parte de ti que em mim ficou. A parte de mim que foi contigo. Ninguém me foi tão próximo. Ninguém me escapou tanto. 
Como foi que constantemente nos encontrámos e nos perdemos?
Esta é a história. Uma história sem história. Uma história só isto.


Manuel Alegre



sábado, 19 de junho de 2021

Enigma


Guarda.

Guarda o segredo

Do meu amor.

Que nem por sombras possam suspeitar

Que todos os poemas que escrevi

Os soubeste primeiro.


Que fiz da tua imagem

A imagem do mundo

E que nunca te vi ao natural,

Musa irreal,

Mulher incerta da minha certeza,

Bela como a beleza.


Miguel Torga



sexta-feira, 18 de junho de 2021

Como um rio


Uma frase começa antes da frase

como um rio começa antes dum rio.

Uma frase começa onde tropeço

no amor que antes de ser já era adeus

começa antes do fogo e antes do frio

como princípio inverso ou fim do avesso

como começo antes do começo

ou talvez como Deus antes de Deus.


Manuel Alegre


sexta-feira, 4 de junho de 2021

A estrela

Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava.

Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada.

A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava.

Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu.

E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava.

E eu caminhei na noite minha sombra
De desmedidos gestos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins desolados caminhavam
Então eu vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava.

E assim eles disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela que eu seguia
Era real e não imaginada.

Grandes noites redondas nos cercaram
Grandes brumas miragens nos mostraram
Grandes silêncios de ecos vagabundos
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava.

E a estrela do céu parou em cima
de uma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha a cor que tem a cinza
Longe do verde azul da natureza.

Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água.

Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais triste e mais sozinha
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado.

Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens e tão perto.

Sophia de Mello Breyner

Remedia Amoris

Foi uma péssima ideia a de voltarmos a ver-nos. Não fizemos mais do que trocar insultos e culpar-nos de velhas e sórdidas histórias. Depois ...