sexta-feira, 26 de agosto de 2022

[um tipo de oitentas está fodido]

um tipo de oitentas está fodido,
morto ou vivo,
e os truques: não batam mais no velhinho,
olhem que eu chamo a polícia, etc. — já não faíscam nas abóbadas
do mundo:
vou comprar uma pistola,
ou mato-os a eles ou mato-me a mim mesmo,
para resgatar uns poemas que tenho ali na gaveta,
nunca pensei viver tanto, e sempre e tanto
no meio de medos e pesadelos e poemas inacabados,
e sem ter lido todos os livros que, de intuição, teria lido e relido, e
treslido num alumbramento,
e é pior que bofetadas, vivo ou morto,
pior que o mundo,
e o pior de tudo é mesmo não ter escrito o poema soberbo acerca do
fim da inocência,
da aguda urgência do mal:
em todos os sítios de todos os dias pela idade fora como uma ferida,
arvoar para o nada de nada se faz favor, e muito, e o mais depressa
impossível,
e com menos anos, mais nu, mais lavado de biografia e de estudos
da puta que os pariu

Herberto Helder


Sitónia, Monte Atos ao fundo, agosto de 2022

 


TUDO O QUE O MEU PAI ME DISSE QUANDO, AOS 15 ANOS, DECLAREI EM FAMÍLIA QUE IRIA COMEÇAR A ESCREVER POESIA

"Antes
de te sentares
à mesa
lava bem
essas mãos."

Luís Filipe Parrado


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Incenso fosse música

   isso de querer
ser exatamente aquilo
   que a gente é
ainda vai
   nos levar além

Paulo Leminski


terça-feira, 23 de agosto de 2022

Poema melancólico a não sei que mulher

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...

Miguel Torga


Sitónia, Grécia, agosto de 2022

 


sexta-feira, 19 de agosto de 2022

O que a comove?

- O que a comove?

- A bondade. Alguma poesia. Ou pensar que somos feitos da mesma matéria de que são feitas as estrelas.


Ana Luísa Amaral, 1956-2022
(In Expresso, 2019)


Fine

Os sentimentos são paisagens áridas, imprecisas, tremeluzentes, desconfortáveis.
Dito isto, poderia fechar a porta, correr as grades, trancar o cadeado, dar a loja por encerrada, sem previsões de reabertura.
Fechados lá dentro, os sentimentos, bem, seria como se não existissem.
Talvez morressem, se desidratassem, se pulverizassem, talvez deles restasse apenas uma mancha de gordura no chão.
Em qualquer caso, emudeceriam. Ou não seriam escutados, o que vem a dar ao mesmo.
Nunca contemplei esta hipótese por mais de cinco minutos – certamente, nem tanto.
Não consigo. Não sei. Julgo que, no fundo, é o que menos quero. E que essa é a raiz da minha resistência. Crónica e aguda.
Os sentimentos são onde sei viver, onde me sinto menos morto.
Os sentimentos sou eu.
Os melhores.
Os piores.
O beijo.
A bala.
(Ou vice-versa).
Todos os nomes da intranquilidade.

Miguel Martins


terça-feira, 16 de agosto de 2022

Summertime

https://www.youtube.com/watch?v=LkJiiJsZplc 

Summertime, and the livin' is easy
Fish are jumpin' and the cotton is high
Oh, your daddy's rich and your ma is good lookin'
So hush, little baby, don't you cry
One of these mornings you're gonna rise up singing
Yes you'll spread your wings and you'll take to the sky
But 'til that morning, there's nothin' can harm you
With daddy and mammy standin' by
Summertime, and the livin' is easy
Fish are jumpin' and the cotton is high
Oh, your daddy's rich and your ma is good lookin'
So hush, little baby, baby don't you cry
Don't you cry


Remedia Amoris

Foi uma péssima ideia a de voltarmos a ver-nos. Não fizemos mais do que trocar insultos e culpar-nos de velhas e sórdidas histórias. Depois ...