Não é fácil ser poeta a tempo inteiro. 
Eu, por exemplo, nem cinco minutos 
por dia, pois levanto-me tarde e primeiro 
há que lavar os dentes, suportar os incisivos 
à face do espelho, pentear a cabeça e depois, 
a poeira que caminha, o massacre dos culpados, 
assistir de olhos frios à refrega dos centauros. 
E chegar à noite a casa para a prosa do jantar, 
o estrondo das notícias, a louça por lavar. 
Concluindo, só pelas duas da manhã 
começo a despir o fato de macaco, a deixar 
as imagens correr, simulacro do desastre. 
Mas entretanto já é hora de dormir. 
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma. 
José Miguel Silva