sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

À beira

Sou alta;
na guerra
cheguei a pesar quarenta quilos.

Estive à beira da tuberculose,
à beira do cárcere,
à beira da amizade,
à beira da arte,
à beira do suicídio,
à beira da misericórdia,
à beira da inveja,
à beira da fama,
à beira do amor,
à beira da praia,
e, pouco a pouco, foi-me dando sono
e aqui estou dormindo à beira
à beira de despertar.

Gloria Fuertes


Someone I loved

Someone I loved
once gave me
a box full of
darkness.

It took me years
to understand
that this, too,
was a gift.

Mary Oliver


El amor que no me assusta

Lejos de los amores feroces del origen,
y lejos del amor que, a modo de refugio,
la mente siempre inventa, el amor
que ahora me consuela es sin urgencias.
Cálido, respetuoso: amor de sol de invierno.
Amar es descubrir
una promesa de repetición que tranquiliza.
Estos poemas hablan de esperar,
porque el amor es siempre una cuestión
de las últimas páginas.
Ningún otro final podría estar
a la altura de tanta soledad.

Joan Margarit


[...]

Estavas muito perto. Só
10 rios nos separavam,
três línguas, duas fronteiras:
quatro dias entre ti e mim.

Pedro Salinas


sábado, 2 de dezembro de 2023

[não sei]

não sei
para onde vai depois o amor com que amámos
em que matéria se dissolve
em que pedra se fecha e cala
quem recolhe a sua espuma desfeita
em que memória imprecisa permanece
onde guardei se guardei as cartas, a foto, o anel
a chave e a alegria

talvez arda em palavras assim
cinza soprada aos solavancos pelo vento
sem bilhete de regresso nem moral da história
número de telefone apagado
breve rodapé da vida

Violeta Runa


Amor à vista

A mulher que não há começa em ti
Começa em ti a sempre tão ausente
A sempre tão distante e tão aqui
Tão doente da partida e tão presente.

Começa em ti a sempre incomeçada
A que por nunca ser nunca perdi
A que era amor do amor: corpo de nada.
A mulher que não há começa em ti.

Começa em ti um tempo em que ajoelho
Tempo de amar ou templo: terra e mar.
Meus olhos deslumbrados com Açores

À vista: eu que sou Gonçalo Velho
Vivendo a glória extrema de chegar
Às tuas ilhas que direi de amores.

Manuel Alegre


Junto à água

Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz de infância, que o teu silêncio me chamasse!

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.

Manuel António Pina


Poetry reading

Tsvetan would moderate the event
I sat with Charles
in a little café, in silence, a bit
uneasy before a public reading
of our poems, which always seem
defenseless at such moments—you never know,
would listeners, if any came, be ready
to forget about themselves

And would we two ignite
that rivalry the ancients
so loftily called agon,
although it’s rarely noble
nowadays, in recent times
(and likely wasn’t even then)

We said nothing, glanced at our watches;
each lost in a different city,
a different childhood, a different family
Just then a speaker started playing
the songs of Billie Holiday—she sang
from immortality, without fear
But no, not quite, her fear was now
perfectly formed, refined

It’s January here, the wet snow falls
It muffles sounds and colors
It masks the imperfections
of yet another city, hides its pettiness—

Both of you are long since gone
I turn back to that moment years ago
not from nostalgia, but because
I’ve only now begun to see
that this was an instant of brotherhood
Silent brotherhood, which survives
in spite of all

As per the fixed program
and the accepted protocol
we stood before the small crowd
We started reading
and strength returned
and we became servants of poetry,
older than us and younger,
omnipotent and helpless

Adam Zagajewski
(tradução de Clare Cavanagh)


Outra vez

 https://www.youtube.com/watch?v=mwsOgtFkFtw

Você foi o maior dos meus casos
De todos os abraços, o que eu nunca esqueci
Você foi, dos amores que eu tive,
O mais complicado e o mais simples para mim
Você foi o melhor dos meus erros
A mais estranha história que alguém já escreveu
E é por essas e outras
Que a minha saudade faz lembrar de tudo
Outra vez

Você foi a mentira sincera
Brincadeira mais séria que me aconteceu
Você foi o caso mais antigo
E o amor mais amigo que me apareceu
Das lembranças que eu trago na vida,
Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto você bem perto de mim
Outra vez

Esqueci de tentar te esquecer
Resolvi te querer por querer
Decidi te lembrar quantas vezes
Eu tenha vontade, sem nada a perder

Ah, você foi toda a felicidade
Você foi a maldade que só me fez bem
Você foi o melhor dos meus planos
E o maior dos enganos que eu pude fazer

Das lembranças que trago na vida
Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto você bem perto de mim
Outra vez

Isolda


Remedia Amoris

Foi uma péssima ideia a de voltarmos a ver-nos. Não fizemos mais do que trocar insultos e culpar-nos de velhas e sórdidas histórias. Depois ...