quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Canção de madrugar

https://www.youtube.com/watch?v=S6VDxwX2dLg

De linho te vesti
de nardos te enfeitei
amor, amor que nunca vi,
mas sei.

Sei dos teus olhos acesos na noite
- sinais de bem despertar -
sei dos teus braços abertos a todos
que morrem devagar.

Sei, meu amor inventado, que um dia
teu corpo há de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

Irei beber em ti
o vinho que pisei
o fel, o fel do que sofri
e dei.

Dei do meu corpo um chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
e uma lança de mágoa.

Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas, alarguei cidades
e construí poetas.

E nunca, nunca te encontrei
na estrada do que fiz,
amor que não logrei,
mas quis.

Sei, meu amor inventado, que um dia
teu corpo há de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

E então
nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos
nem terras, nem mal

Ary dos Santos


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