quinta-feira, 6 de março de 2025

No soy de aquí, ni soy de allá


Me gusta el mar y la mujer cuando llora
Las golondrinas y las malas señoras
Saltar balcones y abrir las ventanas
Y las muchachas en abril

Me gusta el vino tanto como las flores
Y los amantes, pero no los señores
Me encanta ser amigo de los ladrones
Y las canciones en francés

No soy de aquí, ni soy de allá
No tengo edad, ni porvenir
Y ser feliz es mi color
De identidad

Me gusta estar tirado siempre en la arena
Y en bicicleta perseguir a manuela
Y todo el tiempo para ver las estrellas
Con la maría en el trigal

No soy de aquí, ni soy de allá
No tengo edad, ni porvenir
Y ser feliz es mi color
De identidad

Alberto Cortéz


Noite apressada


Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada
e tudo parecia imenso!
Imensa a casa perdida
no meio do vendaval,
imensa a linha da vida
no seu desenho mortal,
imensa na despedida
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada
mas que cheirava a incenso,
era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso.

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral,
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa por toda a vida,
na descrença total.

David Mourão-Ferreira


É triste explicar um poema

É triste explicar um poema. É inútil também. Um poema não se explica. É como um soco. E, se for perfeito, te alimenta para toda a vida. Um soco certamente te acorda e, se for em cheio, faz cair tua máscara, essa frívola, repugnante, empolada máscara que tentamos manter para atrair ou assustar. Se pelo menos um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa depois de ler minhas esbraseadas evidências líricas, escreva, apenas isso: fui atingido. E aí sim vou beber, porque há de ser festa aquilo que na Terra me pareceu exílio: o ofício de Poeta.

Hilda Hilst


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Canção de madrugar

https://www.youtube.com/watch?v=S6VDxwX2dLg

De linho te vesti
de nardos te enfeitei
amor, amor que nunca vi,
mas sei.

Sei dos teus olhos acesos na noite
- sinais de bem despertar -
sei dos teus braços abertos a todos
que morrem devagar.

Sei, meu amor inventado, que um dia
teu corpo há de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

Irei beber em ti
o vinho que pisei
o fel, o fel do que sofri
e dei.

Dei do meu corpo um chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
e uma lança de mágoa.

Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas, alarguei cidades
e construí poetas.

E nunca, nunca te encontrei
na estrada do que fiz,
amor que não logrei,
mas quis.

Sei, meu amor inventado, que um dia
teu corpo há de acender
uma fogueira de sol e de fúria
que nos verá nascer.

E então
nem choros nem medos nem uivos
nem gritos nem pedras nem facas
nem fomes nem secas nem feras
nem ferros nem farpas nem farsas
nem forcas nem cardos nem dardos
nem terras, nem mal

Ary dos Santos


Como se mede uma raiz?

Ele perguntou-me:
em que medida é que isso te
                                marcou?

                   Eu pergunto-lhe:
   Como se mede uma raiz?

André Tecedeiro


Mas que memória?

mas que memória
podemos ter
de nós?
e de qual tempo?

deste tempo exterior
em que
depois de criados
e decifrados
os consensuais alfabetos
da exploração
da vida
chegou o projecto Stardust
com material inalterado
desde o início
do sistema solar,
que não nos diz
se então já havia actos de amor
e portanto
não nos diz nada (?)

é preciso emparedar o demente
que propõe que podia haver
o que não há.
e outros
como ele.

acham-se todos
cada vez mais
perdidos
no meio do próprio ruído,
carregando
males
e mails
como se a diferença
entre ambos estes termos
não fosse
apenas o espaço
de uma ou outra letra,
e a ressonância
da voz do homem
que treme fora como a terra dentro.

Alberto Pimenta


É preciso fazer um esforço

É preciso fazer um esforço
Considerar possível
Estar sempre de perfil
Ser mono-asa
Barbatana sem dorso
Branco sem luz
Ave sem cisne

Ondular no ar
Ser o remoto futuro
Relâmpago sem ser visto
Força sem motor
Buraco sem queda

Considerar possível
Eros sem frenético
Livro sem que o leiam
Poema sem que o façam

Fazer um esforço
Sentir insensível
Sem que seja possível
Sem que seja preciso

Profundamente
Tudo é tão importante
Como um olhar furtivo

Ana Hatherly


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Sabes que tens de mudar de vida

"Estás na tua casa e não te sentes em casa,
já não sabes como viver na tua vida,
e lembras-te de uma frase de Heidegger:

Todos são o outro e ninguém é o próprio.

Perguntas-te se isto é amor ou imitação,
perguntas-te não quem és mas quem queres ser,
e não fazes mais perguntas nem procuras as respostas,
pões um ponto final na puta da filosofia,
sabes que tens de mudar de vida,
não precisa de ser amanhã,
mas vai acontecer, no fundo já aconteceu."

Raquel Serejo Martins


Abundance

               in memory of Mary Oliver

It’s impossible to be lonely
when you’re zesting an orange.
Scrape the soft rind once
and the whole room
fills with fruit.
Look around: you have
more than enough.
Always have.
You just didn’t notice
until now.

Amy Schmidt


Le dernier poème

J’ai rêvé tellement fort de toi,
J’ai tellement marché, tellement parlé,
Tellement aimé ton ombre,
Qu’il ne me reste plus rien de toi.

Il me reste d’être l’ombre parmi les ombres,
D’être cent fois plus ombre que l’ombre,
D’être l’ombre qui viendra et reviendra
Dans ta vie ensoleillée.

Robert Desnos


Oração da mãe Menininha

https://www.youtube.com/watch?v=_x9mNq-eB6w

Ai, minha mãe
Minha mãe Menininha!
Ai, minha mãe
Menininha do Gantois!

A estrela mais linda, hein
Tá no Gantois
O sol mais brilhante
Tá no Gantois
A beleza do mundo
Tá no Gantois
A mão da doçura, hein
Tá no Gantois
O consolo da gente, ai
Tá no Gantois
A Oxum mais bonita, hein
Tá no Gantois

Olorum quem mandou essa filha de Oxum
Tomar conta da gente e de tudo cuidar
Olorum quem mandou eô, ora iê iê ô
Ora iê iê ô

Ai, minha mãe
Minha mãe Menininha!
Ai, minha mãe
Menininha do Gantois!

Dorival Caymmi


Consolo na praia


Vamos, não chores
A infância está perdida
A mocidade está perdida
Mas a vida não se perdeu

O primeiro amor passou
O segundo amor passou
O terceiro amor passou
Mas o coração continua

Perdeste o melhor amigo
Não tentaste qualquer viagem
Não possuis carro, navio, terra
Mas tens um cão

Algumas palavras duras
Em voz mansa, te golpearam
Nunca, nunca cicatrizam
Mas e o humor?

A injustiça não se resolve
À sombra do mundo errado
Murmuraste um protesto tímido
Mas virão outros

Tudo somado
Devias precipitar-te, de vez, nas águas
Estás nu na areia, no vento
Dorme, meu filho

Carlos Drummond de Andrade


domingo, 16 de fevereiro de 2025

Murmúrios do mar

Paga-me um café e conto-te a minha vida

O inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

Outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, tu nunca choraste
por amores que se perdem

Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

«Pago-te um café se me contares
o teu amor»

José Tolentino de Mendonça


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Is/Not

Love is not a profession
genteel or otherwise

sex is not dentistry
the slick filling of aches and cavities

you are not my doctor
you are not my cure,

nobody has that
power, you are merely a fellow/traveller

Give up this medical concern,
buttoned, attentive,

permit yourself anger
and permit me mine

which needs neither
your approval nor your suprise

which does not need to be made legal
which is not against a disease

but against you,
which does not need to be understood

or washed or cauterized,
which needs instead

to be said and said.
Permit me the present tense.

Margaret Atwood


Hypocrite women

Hypocrite women, how seldom we speak
of our own doubts, while dubiously
we mother man in his doubt!

And if at Mill Valley perched in the trees
the sweet rain drifting through western air
a white sweating bull of a poet told us

our cunts are ugly—why didn't we
admit we have thought so too? (And
what shame? They are not for the eye!)

No, they are dark and wrinkled and hairy,
caves of the Moon ... And when a
dark humming fills us, a

coldness towards life,
we are too much women to
own to such unwomanliness.

Whorishly with the psychopomp
we play and plead—and say
nothing of this later. And our dreams,

with what frivolity we have pared them
like toenails, clipped them like ends of
split hair.

Denise Levertov


No soy de aquí, ni soy de allá

https://www.youtube.com/watch?v=eIxap5zVxaM Me gusta el mar y la mujer cuando llora Las golondrinas y las malas señoras Saltar balcones y ab...