quinta-feira, 27 de abril de 2023

Wish you were here

https://www.youtube.com/watch?v=IXdNnw99-Ic 

So, so you think you can tell
Heaven from hell?
Blue skies from pain?
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

Did they get you to trade
Your heroes for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
Did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish
How I wish you were here
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl year after year
Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here

David Gilmour e Roger Waters


Anti-Ricardo Reis

O rio
é bom
para nadar
e as flores
para dar
o resto
são cantigas
casa-te com Lídia
tem bebés
passa a lua-de-mel
na Grécia

Adília Lopes


Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade


quarta-feira, 26 de abril de 2023

Elegia em forma de epístola

A circunstância de sermos homem e mulher
presos por uma aliança tácita
e secreta
do sangue
é que nos prende à vida, meu amor, e nos salva.
Nascemos sem
passaporte,
entre fronteiras
guardadas por sentinelas de sal e de silêncio.
O rio da história
corre, estrangulado, entre as pedras,
e o cascalho, e os detritos humanos,
e a alegria suicida das coisas limpas e puras
abandonadas e soltas à vertigem da morte.
Construímos
para nossa defesa
um muro de ironia e de sarcasmo
– imponderável cortina de
humana ternura envergonhada
ou, como tu dizes, perseguida.
O silêncio
é a corda
que nos prende aos mastros,
a antena vegetal por onde
a vida se insinua,
universal e atenta.
Marinheiros
duma pátria
ancorada no tempo,
bebemos o sal dos minutos que passam
e adormecemos, hirtos, de costas para o mar.

Albano Martins


quinta-feira, 20 de abril de 2023

Abril

 




Olha-me de novo. Com menos altivez

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Hilda Hilst


A tolerância exige a reciprocidade

«Tenho tão presente
a grande dor.» (Camões)

Um celerado pénis um torso
a clavícula parva de argumento,
nele o monopólio não intimava,
voga numa carapaça de trégua e linho
fluvial, em brejo de polimento.
Inculcaria turgidez a um impotente.

Melros em voo rasante.
A ilharga na polpa de cada dedo.
O meu rancor prega nele uma herança
de alevanto. Um adeus insensato
no índice da ternura.

Joaquim Manuel Magalhães


domingo, 16 de abril de 2023

A cadência dos bichinhos de conta

os bichinhos do ouvido
fazem de conta que escutam
o que os bichinhos de conta
fazem de conta que contam

assim tudo corre bem
para uns e para outros
nem uns dizem que são mudos
nem os outros que são moucos

Alberto Pimenta


As palavras aproximam

As palavras aproximam:

prendem-soltam
são montanhas de espuma
que se faz-desfaz
na areia da fala

Soltam freios
abrem clareiras no medo
fazem pausa na aflição

Ou então não:
matam
afogam
separam definitivamente

Amando muito muito
ficamos sem palavras

Ana Hatherly


quarta-feira, 5 de abril de 2023

(para Carmen Silvia Presotto)

A matemática da morte traz
dias absurdos onde as horas
se afundam no grito rouco das ervas.

Talvez por isso esta escrita ferida
sobre ti que um dia viraste
as costas ao seu halo medonho.

Claramente era um sonho teu
reconstruir a sombra da tua casa para todos
um vislumbre delirante
mesmo que a cada dia
se deteriorasse o reboco das tuas paredes
assim dizia eu.

As casas são mistérios para os outros
e cometemos o erro de atribuir
palavras à própria ignorância.

E só agora compreendi
pela pedra da infinitude do teu silêncio
as tuas mãos louvadas
pelas manhãs limpas.

Cego
não vi que partiste os espelhos mais impuros
esse caminho fulgurante para o amor.

Eu sujo sem luz
e sem piedade.

António Amaral Tavares


Começo

Vejo-te um pouco como se já não houvesse
uma casa para nós. As grandes perguntas estão aí
por todo o lado, onde quer que se respire, dentro
dos próprios frutos. É o começo da noite
e os cinzeiros já estão cheios de meias palavras:
porque escolhemos tão pouco
aquilo que nos pertence?
Vejo-te de olhos fechados enquanto me confiavas
a tua história – à mesa da cozinha, quase um espelho,
quase uma razão. As minhas canções preferidas
pareciam convergir para ti a certa altura, dir-se-ia
que te vestias com elas. E no entanto
como se apressaram as grandes florestas a invadir
as gavetas, como misturaram as raízes
no eco que fazia o teu desejo contra mim.

Rui Pires Cabral


sábado, 1 de abril de 2023

Room with a view a sul, março de 2023

 


Não fora o mar

Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem. 

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.

Fernanda de Castro



A estrada branca

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamoviveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

José Tolentino de Mendonça


Remedia Amoris

Foi uma péssima ideia a de voltarmos a ver-nos. Não fizemos mais do que trocar insultos e culpar-nos de velhas e sórdidas histórias. Depois ...