terça-feira, 27 de agosto de 2024

Ode a Guillaume Apollinaire

No meio dos anjos desembarcados em Marselha
nas margens do Sena, ao ouvido de Marie,
os olhos ardidos de ternura,
leio os teus versos, sem piedade de ti.
 
Leio os teus versos neste outono breve
onde passeiam lentos com água
Lou e Ottomar;
a esperança é ainda violenta,
mas estamos tão cansados de esperar.
 
Leio os teus versos no cemitério
onde as crianças indiferentes
brincam à roda da tua sepultura;
e choro, ao lado de Madeleine,
órfão de ti, órfão de aventura.
 
E tu passas, artilheiro ,
apaixonadamente como um rio
ou touro de amor até aos cornos:
Orfeu cheirando a pólvora e a cio.
 
Passas, e seguem-te saltimbancos,
galdérias, vadios, ciganos e anões;
Annie - ou Jeanne - surge da bruma,
e de longe atira-te uma rosa,
talvez de lume, talvez de espuma.
 
Passas, e entras no paraíso
no meio dos adolescentes tresmalhados;
Martin, Gertrude, Hans e Henri,
com ervas ainda nos cabelos,
cantam coplas de putas e soldados.

Oh Madeleine, não tenhas piedade:
ou mortos somos nós, aqui sentados,
Com a noite nos ombros e embalando
a angústia nos braços decepados.

Eugénio de Andrade


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