segunda-feira, 15 de abril de 2019

Primeiro encontro

Companheira do sol e das raízes, cheguei à grande cidade.
Numa mão levava o diploma, na outra o medo. O resto era história antiga de minha solidão e da minha esperança.
A escola que me deram, não era um desses poéticos lugares, brancos e cheios de flores com que sonhamos no fim do curso: era um velho primeiro andar, de uma rua suja de sal, pregões e humidade. Os rapazes que me deram também não tinham nada de comum com esses meninos de bata branca, formais nos primeiros dias de aula e que as mãezinhas nos entregam como se fossem porcelana.
Lembro-me desse nosso primeiro encontro, tão comovente que receio não encontrar a palavra exata para o esboçar.
Abri a porta e eles entraram. Eram quarenta e cinco e faltavam carteiras. Faltavam as carteiras mesmo quando os sentei três a três e pus cinco na mesa que me destinaram para secretária. O diretor chegou e disse: este é o seu reino e aqui tem os seus meninos. E sorria. Se tiver problemas, há de tê-los, mas não estranhe, a esquadra da polícia fica no fim da rua. E eu estou a seu dispor. Para as necessidades mais imediatas aqui tem isto. Tem que escolher desde o princípio: ou a Senhora, ou eles.
Sem complacências se quiser sobreviver. Lamento dar-lhe a escória. Mas, paciência.
Desceu a escada.
E eu fiquei ali face à nova aventura.
O silêncio que me envolveu, era um silêncio pesado, expectante. E no meio do silêncio, eles ali estavam, na manhã que nascia. Esculpidos em vento e mar.
Vinham dos barcos ancorados no cais, do bairro da lata, de sabe-Deus-donde. Traziam nas mãos, em vez de malas e livros não sei porque, mas traziam folhas de plátano e ramos de amendoeira florida, o outono dourava-lhe os cabelos.
Eram sementes vivas da mais autêntica liberdade e não sabiam nada de preconceitos, nem de palavras, nem de coisa nenhuma.
Olhei-os também em silêncio. Um por um. Longamente. Depois peguei a régua que o diretor acabara-me de oferecer como apoio e dei-a ao que me pareceu mais velho: Toma! Vai atirar fora. E depois, não sei que lhes disse. Mas a fome de ternura era neles, como o sol, a lua e o desconforto. E como éramos primários, pobres e sozinhos, estabelecemos desde aquela hora um entendimento lúcido e discreto.
E foi assim que ficamos solidários e Amigos - Para Sempre.
Aprendi então que a Verdade é uma palavra real.
E a lealdade, também.

Maria Rosa Colaço

 

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