quinta-feira, 14 de março de 2024

Emigrantes da quarta dimensão


Dá-me uma ajuda, ó médico das almas
Para escolher em que combate combater
Quem condeno eu à vida, quem condeno eu à morte
Que me podes tu dizer...?

Encostado à árvore do tempo
Folhas vivas, folhas mortas, estações
Nada disto faz sentido
E o sentido do sentido não paga as refeições

Este torpor só tem uma solução
Sejamos deuses, é meter as mãos à obra
E, no fazendo, acontecendo
Deixar ir o coração, que é o que nos sobra

Ao fazer-se o mundo nasce de si próprio
Ser avô é uma alegria atravessada
Dá para rir e para chorar, não temos nada com isso
Mas nada não é nada

Disseste um dia que tudo vale a pena
Tornar as almas mais pequenas é que não
Vamos sobre duas patas, juntar as partes da antena
Espalhadas pelo chão

Fecha a porta, que vem frio lá de fora
Diz o coxo ao despernado, 
E eu aqui

Fui à procura de mim
Encontrei-me mesmo agora
E ainda não fugi

O tempo corre por entre pívias e manhas
E tudo fica cada vez mais como está
Mas, ao correr desta pena, não fico à espera que venhas
Eu já sou o que virá
Eu já sou o que virá

José Mário Branco


Sem comentários:

Enviar um comentário

Ave, Maria

Gosto de pensar, Maria, que também a tua fraqueza sustém a tua força, que soubeste aceitar atravessar tantas incertezas, fazendo aderir o te...