domingo, 31 de janeiro de 2021

Não te esqueças que morreste em todos os poemas


Não te esqueças que morreste em todos os poemas
e nunca assinaste o teu nome todo.
Metade de ti ficou no tinteiro
a outra metade foi dar a volta ao Mundo.
A parte de ti que regressou nem tu próprio sabes
há cidades onde se fica para sempre
estações onde os comboios não chegam nunca
corpos onde se entra e depois não se sai.
Há ruas misteriosas sem se saber porquê
encontros inesperados que podem mudar a vida
não te esqueças que amor e morte se conjugam
às vezes chegam de mãos dadas
não te esqueças que um dia é cedo
e de repente já é tarde
no amor no poema na dança inacabada.
Não te perguntes as horas. Os anjos já passaram
e ninguém agradece.
O que foi é um passado quase excessivo
tão grande que talvez outro futuro
aí comece.

Manuel Alegre


Carta tardia

 https://www.youtube.com/watch?v=1oeIuaYT0SU&list=RD1oeIuaYT0SU&start_radio=1

Quarteto Tati


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

#vermelhoembelem


Maldigo la poesía concebida como un lujo
cultural por los neutrales
que, lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no toma partido
partido hasta mancharse.

Gabriel Celaya


Da série "Não, não somos todos iguais".

https://www.youtube.com/watch?v=1n03ZydD5ig



No teu rosto começa a madrugada

No teu rosto começa a madrugada.

Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.

Melodia
distante mas segura,
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.
 
Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.

Eugénio de Andrade

sábado, 16 de janeiro de 2021

Vermelho e vivo.

 


Olha à tua volta. O que é que falta aqui?

Olha à tua volta. O que é que falta aqui?

Está uma belíssima noite, pelos padrões do Alasca,
a cidade inteira enrolada a um canto da névoa
e a sala a transformar-se num mecanismo
adicional de solidão: retratos e livros misturados
nas estantes, memórias de que hoje, por inércia,
não consegues tirar qualquer proveito.

Quem foi o tolo que disse que a ausência
faz crescer o afecto? Guarda a tua raiva,
é um recurso precioso. Não te livras do turno
da noite, dos pensamentos neuróticos da tua cabeça,
uma espécie de monólogo das aulas de teatro. Mas
quem sabe o que o passado te reserva para esta insónia.
Pode ser whisky, ou preferes algo mais frutado?

Vítor Nogueira

Sorrio aos mortos e enterro os vivos

Sorrio aos mortos e enterro os vivos
como um objecto escuro
por que rodaram mãos e jeitos de luz?
Vivo como se não estivesse aqui
roupa leve como na vida.
E vou da primeira à última batida
na respiração de um pulmão doido.

Lê assim

podia arder a uma pouca distância de ti
nessa praceta que é um poema teu
e as coisas voltariam a mim, meras,
como o ser transportada pelos dias
mas cairei por aqui.

Meu amor

Porta no trinco e nada nas mãos.
Há muito que é tudo o que resta.

Raquel Nobre Guerra

domingo, 10 de janeiro de 2021

- Amas-me? Perguntou Alice.

— Amas-me? Perguntou Alice.
— Não, não te amo! Respondeu o Coelho Branco.
Alice franziu a testa e juntou as mãos como fazia sempre que se sentia ferida.
—Vês? Retorquiu o Coelho Branco. 
— Agora vais começar a perguntar-te o que te torna tão imperfeita e o que fizeste de mal para que eu não consiga amar-te pelo menos um pouco.
Sabes, é por esta razão que não te posso amar. Nem sempre serás amada, Alice, haverá dias em que os outros estarão cansados e aborrecidos com a vida, terão a cabeça nas nuvens e irão magoar-te.
Porque as pessoas são assim, de algum modo sempre acabam por ferir os sentimentos uns dos outros, seja por descuido, incompreensão ou conflitos consigo mesmos.
Se tu não te amares, ao menos um pouco, se não crias uma couraça de amor próprio e de felicidade ao redor do teu Coração, os débeis dissabores causados pelos outros tornar-se-ão letais e destruir-te-ão.
A primeira vez que te vi fiz um pacto comigo mesmo: "Evitarei amar-te até aprenderes a amar-te a ti mesma!"

C. S. Lewis 
(Alice no País das Maravilhas)


domingo, 3 de janeiro de 2021

Realismo mágico

51 anos, 9 meses e 4 dias
foi quanto durou o amor em tempos de cólera,
enquanto eu, que ainda não apaguei 51 velas,
em tempos de prosperidade e bonança,
não consegui amar e ser amado,
por mais de uma década,
somados, os dedos das minhas mãos,
um amor adolescente,
dois casamentos desfeitos,
quase 100 anos de solidão.

Raquel Serejo Martins


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Carlos

Algo que vem da luminosidade com que se articulam as sílabas, a cheio e por extenso, os sons raspando o ar, se for preciso. E é preciso compreender bem as sílabas por dentro para as iluminar assim. Ofício de raros. Respiração profunda. Regressar a casa após um dia longo e difícil e abrir as janelas para deixar entrar o vento que passa para não voltar. As palavras enganam mas a voz, jamais - qualquer cego o pode jurar. 

Se uma gaivota viesse. E veio. 


No teu poema

https://www.youtube.com/watch?v=UMz5jh3WGr0

https://www.youtube.com/watch?v=WPsNKKd0c_U

Estrela da tarde

https://www.youtube.com/watch?v=nHNSp-hz9Ok

Uma flor de verde pinho

https://www.youtube.com/watch?v=-Wg1SQYxQqo



Remedia Amoris

Foi uma péssima ideia a de voltarmos a ver-nos. Não fizemos mais do que trocar insultos e culpar-nos de velhas e sórdidas histórias. Depois ...