quarta-feira, 13 de abril de 2022

Tu que tinhas fama de doçura

Tu que tinhas fama de doçura, eu amava a tua ferocidade de loba. O teu coração era terno como um lilás a encetar conversa com um pedaço de céu azul - mas a bondade em ti não era rendição. Sabias, quando era necessário, distribuir as tuas tempestades e morder com dentes claros. O ardor do teu riso restituía a frescura às bochechas dos que escondiam a sua pequenez sob uma sabedoria cinzenta. Se nunca ninguém soube arrancar-te uma única maldição contra esta vida, morreste irreconciliável com o que os tolos chamam de "ordem das coisas". É assim, dizias tu: sou feliz e infeliz, impaciente e paciente, minuciosa e distraída, afogo-me e canto - fora de questão mudar pelos olhos bonitos de alguém. A vida era tua irmã de leite. Pediste-lhe emprestados os seus vestidos e fizeste-te como ela, imprevisível: até a tua morte era inesperada e, só nisso, se assemelha a ti. Quanto ao resto, é surda, avarenta, enfadonha: em tudo, o contrário de ti.

Escrever, ou seja, amar de volta.

Christian Bobin

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