quinta-feira, 30 de maio de 2024

É tarde, meu amor

é tarde, meu amor
estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de
meu corpo sofrido
agora, tuas máquinas trituraram-me, cospem-me, interrompem o sono
habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais...
no ventre impossível das cidades noturnas
a solidão tem dias mais cruéis

tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro... quis ser grande e morrer
contigo
enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda...
cantar-te os gestos com ternura
mas não

águas, águas inquinadas pulsando dentro do meu corpo, como um peixe
ferido, louco
em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, 
nem estátua-de-jardim-público
aceito o desafio do teu desdém

na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam

Al Berto


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