sábado, 15 de março de 2025

À espera do fim


Vou andando por ai
Sobrevivendo à bebedeira e ao comprimido
Vou dizendo sim à engrenagem
E ando muito deprimido
É difícil encontrar quem o não esteja
Quando o sistema nos consome e aleija
Trincamos sempre o caroço
Mas já não saboreamos a cereja

Já houve tempos em que eu
Tinha tudo não tendo quase nada
Quando dormia ao relento
Ouvindo o vento beijar a geada
Fazia o meu manjar com pão e uva
Fazia o meu caminho ao sol ou à chuva
Ao encontro da mão miúda
Que me assentava como uma luva

Se ainda me queres vender
Se ainda me queres negociar
Isso já pouco me interessa
Perdemos o gozo de viver
Eu a obedecer e tu a mandar
Os dois na mesma triste peça
Os dois à espera do fim

Tu tens fortuna e eu não
Podes comer salmão e eu só peixe miúdo
Mas temos em comum o facto de ambos vermos
A vida por um canudo
Invertemos a ordem dos fatores
Pusemos números à frente de amores
E vemos sempre a preto e branco o programa
Que afinal é a cores

Jorge Palma


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