sexta-feira, 8 de julho de 2022

[Gravata e barba crescida, inclinação e tara perdida]

Gravata e barba crescida, inclinação e tara perdida,
outra vez achada no último terço da vida. Nem em sonhos
ou lá dentro, muito dentro da cabeça, onde um órgão
ecoa em nós como numa catedral. E fica-te bem, gola
aberta e cara rapada, boca de sino e justa camisola.

Vamos à bola ou pelo menos aos matraquilhos, sem filhos,
sem coisa nenhuma, só nós dois, piadas e anedotas.
Quando acordas todos os dias a pensar no mesmo e perguntas
se há comprimidos para apagar a memória, parece
pelos meus olhos que a resposta vai ser sim. Mas não.

Tu tens olheiras de não fazer nada, como cansa retirar
ervas do chão, como cansa lançar a confusão no meu corpo
invisível onde não me conhecem. Be my toaster!
E assim, saudando-me, quem sabe se um dia eu serei capaz
de não me enganar na transmissão de um pensamento.

Eu quero que os teus pensamentos vão passear,
fala-me dos teus desejos, das tuas ambições, faz de conta
que eu sou um terapeuta breve a fingir que ouve histórias
emocionantes. Daquelas de fazer chorar as pedras da calçada.
Em guarda! E davas um salto como um espadachim. E um abraço.

Helder Moura Pereira


Sem comentários:

Enviar um comentário

Ave, Maria

Gosto de pensar, Maria, que também a tua fraqueza sustém a tua força, que soubeste aceitar atravessar tantas incertezas, fazendo aderir o te...